Ernâni Salomão Rosas Ribeiro de Almeida nasceu no Desterro (Florianópolis) em 31 de março de 1886. Filho do também poeta Oscar Rosas. Trabalhou em cargos modestos e variadas e humildes atividades profissionais. Viveu muito tempo no Rio de Janeiro em Encantado e Nova Iguaçu. Dentre suas principais influências estão Eugênio de Castro e Cruz e Sousa. Como observa Andrade Muricy: "O fato de ter ficado quase completamente desconhecido e não haver, por isso, tido influência histórica, não lhe invalida a precedência". O poeta faleceu em 1954.
Hora da Insônia
Noite sem termo! A Lua erra em delírio, Balbucío palavras sem querer... Cismo no olor vernal d'alma de um lírio, E sou memória d'algo a transcender...
Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio, Ressurjo... Amo a visão do meu Não-Ser! Todo meu corpo é amorfa névoa--círio... Volúpia de um perfume a se perder.
Cismo na errante estrela, que deslumbra O vaso de teu ser dentre o relento Num murmúrio de fonte que ressumbra!
Sou o olfato! Amo as horas de um jardim... Sou uma vaga sonora em pensamento: Eflúvio lirial que vens a mim!...
Rimas à Lua:
Dorme em lascivo leito, reclinada... Repontando de Astros e fogueiras, Ateias a coivara prateada Dos caminhos desertos, pegureira...
Lua! Da meia noite, solitária, Urna errante p'la nave do infinito... Cravas o lácteo incêndio funerária, Às montanhas geladas de granito...
Peregrinando em tua marcha hiante E exausta de fadiga em água amara Buscas o mar, o oceano o teu amante...
Artista, cuja tela, ao ver-Te aclara! N'esse sonambulismo inebriante... Em suas vagas verdes Te enlaçara...
Noite de Valpurgis
Náufrago brigue do Éter e do Sonho, Derramando um clarão tíbio e suicida... O sol acena um áureo Adeus à Vida E doura a imensa estrada ante-sonho!
Âmbito argivo em mármore de estranha Visão de torres e cruzes brancas, Onde passaram adejos de asas francas Das aves, se o Luar neva à montanha...
Gotas nitentes pela luz douradas São pérolas que um mar verteu um dia, Junto às areias gris das alvoradas!
Exaurindo-se à Luz dentre a agonia, Difunde-se qual tule em nuvem alada...
Soneto
Vai alta a lua lírica e silente, Toda paisagem em sonho se embebeu! Narra a si-mesmo o eco, vagamente... Paira a auréola da luz dentre os céus...
Parece madrugada! Um galo canta... Uivam de tédio os cães, não chega o dia! [pois] se o Luar turvou minha alegria... E a noite toda de uma mágoa santa!
Outono! Vão-se as horas... E lacrimosa É tão triste a vereda e a própria casa... Traz saudades da vida religiosa!
Cada vez mais o luar neva e cintila... Seixos em pranto à flux o areal abrasa, E a água por ser ceguinha erra e vacila...
Penumbra do Luar Noite de lua e noveiro, argente Difunde-se o luar pela folhagem... Com a mesma languidez vaga e dormente Da chuva, quando cai sobre a ramagem...
Como a música ao longe e som dolente Recorda todo esse abandono... E a aragem Que passa, agita o olor suave e florente Vindo das messes, da vernal paisagem...
E o luar cresce através de ermo arvoredo, Noite chuvosa e triste a Lua ateia... Fluida névoa de luz... Sonho... Segredo...
Ao ressurgir das coisas na saudade Que o silêncio evocou... E à luz ondeia Erra na morta e fria claridade...
Luar! Recado da Lua aos lírios, Eco da Lua pela garganta do clarim da abóbada A esvair-se como a vida em Quimera...
Veias largas e extensas do nosso corpo--rios ou Estradas onde corre capilarmente o carmim Luminoso da idéia, como faluas...
E o silêncio da hora e a ingratidão da Lua Oculta em pardo céu, como visão divina, Propicia-me do olvido um laivo que tressua Num tântalo letal de angústia sibilina!....